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  • Foto do escritorDanilo Emboaba da Silva

Meus Motivos para Gostar de Shogi


Por Davi Paiva.

Com revisão de Danilo Emboaba.


Davi Paiva - Crítico Literário


Comecei a me interessar por Shogi em 2015. Na época, eu trabalhava em um entediante serviço de call center com acesso à internet relativamente restrito, porém, tais bloqueios não me impediam de acessar alguns artigos. E o primeiro dos vários contatos que resolvi ter com o jogo foi o lugar onde todos começam antes de saber onde procurar conteúdos: a Wikipedia.


Por mais que os artigos fossem precários, aprendi a movimentação de peças e tinha que aceitar o desafio de ter novas peças para decorar (jogo Xadrez desde 2000, que aprendi no Centro Cultural do meu bairro), como os Generais de Ouro e Prata, além das Lanças. E no próprio serviço, já desenhei um tabuleiro em um bloco de notas tentando imaginar como montar uma estratégia.


O primeiro aplicativo que encontrei sobre o jogo foi o Shogi 100. Na época, ele só era disponível em uma versão gratuita com alguns níveis liberados e uma versão paga com todos os seus 100 níveis disponibilizados (daí o nome do aplicativo). Consegui a versão completa do aplicativo na internet e o instalei, passando a jogar contra os níveis baixos com a minha estratégia precária.



Algum tempo depois, aproveitando que moro em São Paulo, consegui ir à Associação Brasileira de Shogi. Pelo nome, esperava um lugar bem decorado, bonito e pomposo. No entanto, fiquei surpreso em ver que o lugar era apenas um salão no alto de um prédio comercial onde alguns idosos jogavam Shogi e Go.


Na ocasião, enfrentei um dos responsáveis pelo espaço e perdi todas as partidas com o senhor fazendo sempre a mesma jogada inicial. Nem com ele me dando uma Torre de vantagem eu consegui me dar bem. Pelo menos eu saí de lá com um exemplar de

“Como Jogar Shogui”, um livro sobre o jogo em japonês que doei a uma amiga e a experiência aprendida me levou a derrotar o aplicativo em níveis um pouco mais elevados.


A minha jornada não foi fácil de lá para cá. Fui a um Workshop onde pude jogar pela primeira vez contra uma pessoa em um tabuleiro, procurava um tabuleiro esporadicamente e queria aprender a mover as peças estrategicamente sem nem imaginar onde encontrar sites ou canais de vídeo para ter noções de aberturas, castelos e demais táticas.


Atualmente tenho não só o livro que ganhei em minha primeira visita à Associação como também consegui um exemplar do livro “Shogi”, de Jorge Melecsevics, diversos PDFs, mini documentários que baixei do YouTube para ver e rever sempre que quiser e um tabuleiro simples e barato com peças de madeira. Não almejo me tornar o primeiro Meijin afrodescendente. Só quero ensinar quem estiver interessado em aprender, seja comigo pessoalmente ou em artigos que pretendo começar a escrever e publicar no site de um amigo com bastante alcance, e ser um forte oponente contra meus adversários.


E por que quero tanto fazer parte deste mundo do Shogi? Vejamos...


  • Respeito é um direito e uma regra: já frequento comunidades de Facebook sobre Xadrez há um bom tempo. E o que mais vejo por lá são jogadores chamando uns aos outros de “capivaras”, comparando a baixa visão do animal com enxadristas que perdem partidas por não visualizarem as estratégias de seus adversários. Uns dizem que isso é só um apelido comum nos meios profissionais, outros dizem que não se deve levar o conceito a sério e há quem diga que reclamar de ser chamado de capivara é “mimimi”. Sem contar os próprios jogadores que se autodenominam “capivaras” por estarem começando ou jogando mal.


Fazendo um comparativo com o Shogi: as partidas começam com os dois jogadores se curvando um para o outro e dizendo “que tenhamos um bom jogo” (em japonês: よろしくお願いします ou yoroshiku onegaishimasu), o mais velho faz o sorteio para definir quem começa e o jogador derrotado se curva dizendo “eu perdi”, “eu aceito a derrota” ou “eu desisto” (em japonês: まけました ( makemashita). Sem contar que há muitas regras sobre ser considerado falta de educação voltar lances ou dar palpites em partidas alheias.


Atualmente eu tiro muitas dúvidas em grupos de Shogi ou com jogadores de níveis muito mais elevados que o meu. E em qualquer um dos casos, nunca fui comparado com nenhum animal em sentido pejorativo. Ridicularizadores lá são casos bastante isolados.



Se curvar e desejar um bom jogo ao seu oponente é uma das normas de etiqueta do Shogi.

Se os enxadristas querem viver na lama e criar este ambiente tóxico que pode afastar interessados, azar o deles. Para quem quiser participar do mundo do Shogi, o respeito vem antes de qualquer aprendizado.


  • É um tabuleiro que exige atenção:

· às vezes, jogo Xadrez usando o quadriculado das casas para olhar o alcance dos Bispos e da Dama, quando esta possui alvos diagonais. Já o tabuleiro do Shogi não possui quadrados coloridos. Por isso, é preciso estar focado no alcance que um Bispo, promovido ou não, pode ter. Pode parecer um motivo simples para querer jogar um jogo, mas sejam francos: quem se interessa ou valoriza algo que é muito fácil?


  • Peças que exigem aprendizado dos ideogramas e reconhecer os mesmos em diferentes ângulos: ocidentais têm dificuldades em reconhecer ideogramas japoneses da mesma forma como deve ser difícil para eles diferenciar a grafia do “d”, “b”, “p” ou “q”. Acontece. Sem contar que alguns ideogramas são um pouco parecidos dependendo de quem os olha, como o Cavalo Promovido ou o General de Prata Promovido. Agora pense o que é você ter que identificar as suas peças, saber os movimentos delas, suas combinações... e as do oponente! A paixão por desafios move a humanidade e não é por acaso que o Xadrez é um dos jogos mais antigos e associados à inteligência no mundo inteiro. E creio, em minha humilde opinião, que se as pessoas conhecessem mais o Shogi, também veriam como ele é desafiador.


Suas peças em jogo, as do oponente e as que foram capturadas: há muitos movimentos e táticas que precisam de atenção.
  • Há muitas regras, mas ainda é possível jogar com elas: como também jogador e mestre de RPG, o que mais vejo são outros jogadores reclamando que o jogo fica chato quando o mestre quer aplicar muitas regras ou até quando o mesmo quer tornar a trama verossímil, tirando toda a graça fantástica que ela possa ter.

Apesar de Shogi ser bem diferente de um jogo de RPG, ele tem em comum o fato de ter uma quantidade de regras que, na minha opinião, chega a ser maior que o Xadrez.


As reposições são permitidas em qualquer parte do tabuleiro para todas as peças? Eu posso repor uma peça e já fazer uma jogada com ela? Ela pode ser promovida no ato da reposição? Um Peão pode ser reposto já dando xeque-mate? No Shogi, é possível “assoprar” peças como vemos algumas pessoas jogando Damas? Há captura recuando peças?


Tudo isso são perguntas que podem surgir na mente dos jogadores iniciantes e podem gerar limitações tanto para você que está lendo este artigo quanto para seus adversários. Porém, se a vida é uma constante de adversidades superadas, por que o Shogi tem que ser diferente? Você não cria uma fileira ou uma coluna para atacar ou defender. E nem pode começar o jogo com 21 peças ou alguma diferente que o seu oponente não tenha.


As limitações do jogo ainda permitem um leque de possibilidades infinitas. Uma abertura agressiva, um castelo sólido, um jogo praticamente ganho sofrer uma reviravolta e o jogador que quase vence acaba perdendo no final ou por mais raro que seja, um empate acontece.


As regras existem para que nenhum dos lados possa fazer algo que tornaria o jogo muito apelativo. O que não quer dizer que ele te limite a só mover as peças sem nenhuma estratégia brilhante.


  • Alcance das peças: pegue um tabuleiro de Xadrez e coloque um Peão em uma das casas centrais (d4, d5, e4 ou e5). Quantas casas esta peça ameaça?

Depois, faça o mesmo com a Torre, o Bispo, o Cavalo, a Dama e o Rei. Veja quantas casas cada peça ameaça.

Agora faça o mesmo com cada peça de Shogi na casa central, 5e.

Reparou com o Shogi não tem tantas peças de alcance longo como o Xadrez?

Pois é.

Isso não quer dizer que o jogo seja cansativo, onde você precise mexer a mesma peça várias vezes para ela alcançar um ponto estratégico do tabuleiro. Uma troca de peças de diferente valor pode parecer vantajosa para o seu adversário. No entanto, você pode surpreendê-lo com uma reposição que lhe faça ter duas ou mais peças importantes ameaçadas ao mesmo tempo, dar xeque no Rei ou até mesmo o mate.

Lembre-se do que eu disse: dentro de um tabuleiro, há possibilidades infinitas.


  • Benefícios culturais, mentais e sociais: há muitos estudos que comprovam os benefícios que um jogo de tabuleiro pode trazer a um jogador. Melhora na memória, aumento na capacidade de raciocínio, planejamentos mais elaborados, exercício de concentração, focar em objetivos, aprimoramento da visão espacial, etc.

O que diferencia o Shogi dos outros jogos de tabuleiro é que para quem se dedica a conhecer algo além dos movimentos das peças ou seus sistemas de ataque e defesa, há sua fascinante história de criação com base no Chaturanga (o mesmo jogo que deu origem ao Xadrez, Xiang-qi, Janggi e outros), seu aprimoramento durante o período em que o Japão esteve isolado, como funciona o processo de classificação de um Meijin, como jogadores famosos conseguiram unificar títulos tal qual Yoshiharu Habu, ou como grandes jogadores como Akira Watanabe já tiveram que competir contra computadores... e venceram.

E para nós, brasileiros, é uma oportunidade única de conhecer uma nova cultura com muita história para contar, presente na cultura pop de mangás e animes e ainda virar um responsável pela mesma, podendo ensinar membros de sua comunidade o que é a já milenar arte do Shogi.


E aí, apesar de estes serem os meus motivos para gostar de Shogi, eles também não podem ser os seus?


Se for, participe deste mundo maravilhoso de peças com ideogramas que atacam, defendem e reaparecem nos tabuleiros como se fossem mágicas.


E tenha um bom jogo!

81 visualizações1 comentário

1 Comment


isabelemfer
May 25, 2021

Adorei o artigo! Comecei a jogar a mais ou menos uma semana e já consegui decorar os kanjis haaha é um pequeno avanço, mas já é alguma coisa! Tenho feito o possível pra encontrar material na internet onde possa começar a aprender estratégias e progredir sem desanimar! O e-book de vcs é muito bom! já li quase tudo <3

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